Era exactamente meio dia. A hora certa. Verdadeira indicao
de preparação o que e dada pela pontualidade a que a hora se adequa. A esta
hora ele ja tinha descido os 500metros do trilho íngreme que leva a praia
deserta, escondida pelo abraço das arribas e calmamente embalada pelo oceano.
Longe dos pescadores, e dos bares de praia o silêncio domina. Apesar das amenas
temperaturas de Primavera, o sol é incapaz de furar o nevoeiro lúgubre que se
instalou, impedindo que os seus raios quentes, dadores de vida toquem a areia
brilhante. E um dia escuro mas encantador, e um mar calmo e convidativo. Ele
aproxima-se da arriba e para junto a uma rocha que lhe da pela cintura. Lambida
por séculos de tempestades, a rocha e lisa e sem imperfeições. A corda que
a envolve, sem dúvida réstias da ancoragem de um barco antigo, conta uma
história: talvez amantes tenham estado naquela praia, em dia de maré; cheia,
com a lua a iluminar o recanto escondido. Um breve sorriso ilumina-lhe o rosto
enquanto imagina as sensações que foram sentidas a luz da lua. A medida que o
sorriso morre, as roupas saem-lhe do corpo. Cada peça é dobrada cuidadosamente
e delicadamente pousada no topo da rocha para ali permanecer ate que o mar
aumente de novo e a entregue aos seres subaquáticos. Vira-se para o mar.
Respira fundo. Começa o movimento em direcção ao calmo e frio oceano. Os pés
são rapidamente embalados pelas ondas e o toque da agua nos seus joelhos faz um
arrepio de frio percorrer o seu corpo nu. Levanta-se a pele que sabe o que a
espera. Passos decididos levam-no para mais próximo das profundezas. A água
chega-lhe pela cintura. Um mergulho rápido e decidido leva-o mais longe. Com a
cabeça a entrar primeiro evita-se a dúvida e o pensamento no acto, que
obscurecem as certezas e afligem as decisões já tomadas. As sensações passam e
o som do fundo do mar sente-se no cérebro, estabelece a ligação entre o homem e
os seres que cantam, la longe, em busca de companhia. São cantigas de solidão
de quem percorre o mar em todas as direcções a preencher um destino
estabelecido e inescapável. Duas braçadas fortes. Aqui já não há indecisão. O
pé já não toca na segurança do fundo. Duas braçadas e a praia fica cada vez
mais distante, não o suficiente. Duas braçadas e levanta-se a cabeça para
respirar. Duas braçadas e uma onda bate-lhe no rosto. É o grito do mar a pedir
para não avançar. Duas braçadas, a água cada vez mais fria. Duas braçadas, e um
peixe acaricia-lhe o corpo. Duas braçadas, um grito desesperado de ajuda já não
seria ouvido na margem. Não que ele a queira. Já não há retorno. Duas braçadas.
O nevoeiro já não deixa ver as arribas. Já não se vê o brilho dourado da areia.
Agora é só ele e o mar. Nada mais. Verdadeira solidão. Duas braçadas, cânticos são
cada vez mais fortes. Duas braçadas e o mar, obscuro e sinistro, torna-se azul-escuro
debaixo do seu corpo. Ele pára. Não de cansaço, mas por saber que a distância e
o isolamento são aquilo que ele procura. Endireita o corpo, olha para o
nevoeiro sua volta. Está na hora. Não
quer chegar atrasado ao encontro que tem marcado. Mergulha de novo. Cânticos são
agora ensurdecedores. Bate as pernas para chegar mais fundo. Abre os olhos. La
no fundo há um brilho atractivo. E para lá que ele se dirige. E uma mulher. Uma
musa escondida no profundo oceano. O seu vestido branco traz o brilho do
sobrenatural. O ondular do tecido tem um charme que não e deste mundo.
Falta-lhe o fôlego, e a musa dá-lhe um beijo doce e carinhoso. Glorioso
momento. No seu encontro, não houve atrasos. Na superfície, o mar continua, sem
distúrbios, a ondular. O tempo percorre o seu caminho. A roupa permanece na
rocha. E as pegadas são apagadas pelo vento.
Sem comentários:
Enviar um comentário